sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Seus Últimos Amigos

Tinha um andar saltitante, desses que esboçam a felicidade (não que a tivesse) e o cabelo sempre por cima das orelhas. Era o tipo que nunca se preocupou com nada. Largado. Mas um sorriso não passava despercebido. Abaixava a cabeça pra retribuir tal gentileza.

Combinavam sempre de se encontrar escondidos no jardim de infância. Seu primeiro beijo. Seu maior segredo. Eram muito amigos: ele e ela.

Tudo aquilo passou. Houve uma época que brincava de boneca e casinha com suas primas. Sem sonhos como: ser bombeiro, jogador de futebol, advogado. Isso tudo foi no tempo em que não se falava sobre opção sexual em público. Nem se sabia o que era isso.

Homossexualidade nunca foi uma opção. É o tipo de coisa que não se escolhe. Se é escolhido.

Entre maquiagens e roupas da mãe. Batom caro borrando o rosto. Foi assim que cresceu. Talvez pela ausência do pai, mas não devemos culpá-lo por ter morrido sem avisar. Levava uma vida sozinha com a mãe viciada em anfetaminas. Costumava usar mais seus sapatos do que ela própria.

A vida na escola começou a se tornar cruel. Era tudo muito restrito à sua presença. Onde já se viu? Como pode um menino que usa brincos nas orelhas? Lenço no pescoço. Sua vida se tornou uma tortura cada dia pior e mais dura.

Procurava ajuda em casa com a mãe. Só queria um instante de sua atenção. Queria ser ouvido. Mas nem isso tinha. A pintura de seu lar era: comprimidos. Aquele ar entorpecido. Viciado. Sua angústia era tanta!

Sair de casa não era seu desejo. Queria sair do mundo. Sair de si mesmo.

Noites. Frio. Cigarros. Bebidas. Prostituição.

Vazio.

Já não andava saltitante. Havia raspado o cabelo com gilete. As sobrancelhas. Axilas. Não tinha pelos mais. Nem pele. Nem pelo que viver.

Passou anos tentando se encontrar novamente. Tentando perceber onde foi que havia errado para chegar a tal ponto. Já não recebia notícias de sua mãe há muito tempo. Já não tinha notícias de si próprio.

Esqueceu aquela época que havia felicidade em um sorriso. De como timidamente retribuía sorrisos a estranhos, sempre com a cabeça baixa. Esqueceu-se de si.

Só. Mergulhado em solidão profunda. Dilacerava a alma. Tão frio. Escuro. Não se via mais no espelho, nem escutava sua respiração.

Seus últimos amigos: corda e cadeira.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Menino Magro

Todo grande de criança assusta e vem o choro. Até paisagem, quando é muito bonita. Lembro que ele era um menino muito magro e muito branco (desses que parecem ter alguma doença). Mas ainda fazia papagaio pra brincar na rua. Pulava os muros dos vizinhos pra roubar manga.

Tem vida que acontece e parece que não vai acontecer. Começa tudo errado, mas até que vai se acertando. doce ilusão.

Foi num dia desses que você dorme a tarde e acorda assustado achando que já é hora de ir pra escola e o susto só passa quando vê que o dia nem passou ainda, que aquela tutarana (dessas que dão febre) sapecou a mão que pegava goiaba no quinta da avó.


Tantas brasas de carvão deram bolhas nos pés: "Sai de perto da churrasqueira menino!" e passava creme dental pra ficar comendo o que ficava no dedo.

Houve uma época em que Novalgina curava todos seus problemas. Simulava dores de cabeça para tomar remédio à toa e dormir. Soubesse que isso era inútil, talvez não tivesse feito. Ou faria de todo jeito. É que todo mundo gosta de ter atenção.

Quando ia à missa, sempre pedia pra comungar. Queria saber qual era o gosto. Efeito. isso na época que nem sabia o significado de palavras como hóstia ou consagrada (antes do catecismo e da primeira comunhão). Corpo de Cristo não lhe fazia muito sentido. Não causava impacto.

Como disse: era desses meninos magros que parecem ter doença. Sempre escutava comentários que não entendia:

- Esse menino num vai vingar não... Coitado.

Queria gritar pro mundo seu nome, só não sabia como. Ainda.